Enquanto os nossos camaradas celebravam nas ruas, nós fabricava-mos o amor a partir do zero, no deslumbramento silencioso de um deus que subitamente descobrisse as coisas de que era capaz. Amávamo-nos como se o amor fosse apenas um suplente íntimo dessa revolução que nunca mais chegava. A revolução já tinha chegado, mas nós não sabíamos. Só em Junho de 1974 se lembraram de nós, fechados naquela casa clandestina. Muitas vezes, ao longo da minha vida, desejei que nos estivessem esquecido ali para sempre. Desejo ingrato, infantil. Tive uma vida boa. Consegui ser a advogada que queria ser, cobrar bem aos ricos para defender melhor os pobres. Encontrei um homem que entende o amor como partilha absoluta – nunca senti o peso do trabalho doméstico ou da educação dos filhos. Tive dois filhos que só me trouxeram alegria e serenidade, e tenho já um neto que parece um reclame sobre o brilho da vida.
Pedrosa, Inês, "FICA COMIGO ESTA NOITE", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário