sexta-feira, junho 30

A Bíblia de Barro

Chovia em Roma quando o táxi se deteve na Praça de São Pedro.
Eram dez da manhã.
O homem pagou o percurso e, sem esperar pelo troco, apertando um jornal debaixo do braço, aproximou-se em passo rápido do primeiro controlo em que rotineiramente se verificava se os visitantes entravam na basílica correctamente vestidos. Nada de calções, minissaias, tops ou bermudas.
No interior do templo, nem sequer se demorou ante a Pietà de Miguel Ângelo, a única obra de arte, das muitas que alberga o Vaticano, que o conseguia comover. Hesitou uns segundos até se orientar, encaminhando-se, seguidamente, para os confessionários onde, a essa hora, sacerdotes de diferentes países ouviam nas suas línguas maternas os fiéis chegados de todas as partes do mundo.
De pé, apoiado numa coluna, aguardou impaciente que outro crente acabasse de se confessar. Quando o viu levantar-se, dirigiu-se para o confessionário. Um cartaz informava que aquele padre exercia o seu ministério em italiano.
O eclesiástico esboçou um sorriso ao contemplar a figura seca do homem que envergava um fato de bom corte. Tinha o cabelo branco cuidadosamente penteado para trás e uma fisionomia impaciente de quem está habituado a mandar.
- Ave, Maria Puríssima.
- Concebida sem pecado.
- Padre, confesso que vou matar um homem. Que Deus me perdoe.
Navarro, Júlia, "A Bíblia de Barro", Círculo dos Leitores, 2005.

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