terça-feira, junho 13

A Costa dos Murmúrios




Rodavam, rodavam os pares. Foi há vinte anos, e ainda não era hábito os pares dançarem desenlaçados uns diante dos outros como outrora os espadachins. Pelo contrário, enlaçados e rodando, todo o espaço que sobejava da longa mesa foi ocupado com a trajectória das ancas, embora sobejassem mulheres apoiadas na grade, porque não se estava em tempo de paz completa. Ainda era tarde, ainda o Sol estava bem amarelo e suspenso por cima do Índico, e a cidade da Beira, prostrada pelo calor à borda do cais, era tão amarela quanto o ananás e a papaia. A noiva suspirou não de cansaço ou de sono mas de deslumbramento, e depois desse suspiro, o Comandante da Região Aérea começou a falar bem alto, como se esperava que falasse.
«África é amarela, minha senhora» − disse o Comandante, apertando pelo carpo a mão de Evita. «As pessoas têm de África ideias loucas. As pessoas pensam, minha senhora, que África é uma floresta virgem, impenetrável, onde um leão come um preto, um preto come um rato assado, o rato come as colheitas verdes, e tudo é verde e preto. Mas é falso, minha senhora, África, como terá oportunidade de ver; é amarela. Amarela-clara, da cor do whisky!»
Jorge,Lídia, "A Costa dos Murmúrios", Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1988.

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