Gago Coutinho, a trezentos quilómetros ao sul do Luso e junto à fronteira com a Zâmbia, era um mamilo de terra vermelha poeirenta entre duas chanas podres, um quartel, quimbos chefiados por sobas que o Governo Português obrigava a fantasias carnavalescas de estrelas e de fitas ridículas, o posto da PIDE, a administração, o café do Mete Lenha e a aldeia dos leprosos; uma vez por semana eu sacudia o badalo do sino da capela pendurado no meio de um círculo de cubatas aparentemente desertas, no silêncio carregado de ruídos que África tem quando se cala, e dezenas de larvas informes principiavam a surgir, manquejando, arrastando-se, trotando, dos arbustos, das árvores, das palhotas, dos contornos indecisos das sombras, larvas de Bosch de todas as idades em cujos ombros se agitavam, como penas, franjas de farrapos, avançando para mim à maneira dos sapos monstruosos dos pesadelos das crianças, a estenderem os cotos ulcerados para os frascos do remédio.
Antunes, Antonio Lobo, "Os cus de Judas", Círculo dos Leitores, 1984.
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