quinta-feira, julho 6

O SEGREDO DA ÚLTIMA CEIA

Não me lembro de nenhum enigma mais arrevesado do que aquele que tive de resolver no Ano Novo de 1497, enquanto os Estados Pontifícios observavam como o ducado de Ludovico, o Mouro, estremecia de dor.
O mundo era então um lugar hostil, em mudança, um inferno de areias movediças em que quinze séculos de cultura e de fé ameaçavam desmoronar-se sob a avalancha de novas ideias importadas do Oriente. Da noite para o dia, a Grécia de Platão, o Egipto de Cleópatra ou as extravagâncias da China, explorada por Marco Pólo, mereciam mais aplausos do que a nossa própria história bíblica.
Foram dias conturbados para a Cristandade, aqueles. Tínhamos um papa simoníaco – um diabo espanhol coroado sob o nome de Alexandre VI, que havia comprado com descaramento a tiara no último conclave –, um dos príncipes subjugados pela beleza do pagão e uma mar armados até aos dentes, à espera de uma boa oportunidade par invadir o Mediterrâneo Ocidental e converter-nos a todos ao Islão. Bem podia dizer-se que jamais a nossa fé tinha estado tão indefesa nos seus quase mil e quinhentos anos de história.
E ali se encontrava este servo de Deus que vos escreve. Esgotando um século de mudanças, uma época em que o mundo ampliava diariamente as suas fronteiras e que nos exigia um esforço de adaptação sem precedentes. Era como se, a cada dia que passava, a Terra se tornasse cada vez maior, forçando-nos a uma actualização permanente dos nossos conhecimentos geográficos. Nós clérigos, pressentíamos já que não íamos ter mãos a medir para pregar num mundo povoado de milhões de almas que nunca tinham ouvido falar de Cristo, e o mais cépticos vaticinavam um período de caos iminente, que iria trazer à Europa uma nova horda de pagãos.
Sierra, Javier "O Segredo da Última Ceia" Editorial Presença, 2004

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