sábado, março 24

UMA PEDRA SOBRE O RIO

Começou, ao poucos, a deixar de ouvir o que se discutia na sala de reuniões. Para quê tentar convencer quem não queria ser convencido? Por detrás da cabeça do colega que estava à sua frente, conseguia ver o céu, as copas das árvores a baloiçar, e foi-se deixando afastar daquela sala, com alguma sensação de libertação, olhando lá para fora. Tantas vezes lhe corria aquele pensamento de que tudo lá fora continuava, indiferente ao que se passava, ao que se decidia. Sentia-se atraída por essa ideia de deixar as coisas correrem, indiferente.
Seguia, de tempos a tempos, as conclusões bombásticas dos colegas, ia dizendo uns «claro» esquivos, escrevinhava gatafunhos que não tencionava vir a decifrar. Estava tão longe daquela sala. Sentia crescer aquela desilusão que a acompanhava ultimamente, sentia que tudo aquilo era um enorme desperdício de tempo, que nada valia a pena. Angustiava-se por se sentir assim, mas cada vez mais lhe acontecia perceber que tudo o que fazia tinha perdido o sentido.
Santos, Margarida Fonseca in "Uma Pedra Sobre o Rio", edições Difel S.A.

Um comentário:

Margarida Fonseca Santos disse...

E vai sair a nova edição em breve... com uma capa linda. Obrigada por divulgarem aqui o livro, é um dos meus preferidos. Bjs