sexta-feira, março 30

SÓNIA E NUNO: EXTRACTOS DUMA PAIXÃO

A entrada


O taxista trava, as rodas roçam um segundo na areia do caminho, cuspindo pedra e poeira. Nuno dá uma olhadela à casa no topo do monte e ao carreiro em rampa que lhe dá acesso. Depois destranca a porta do carro e sai, do outro lado Sónia faz o mesmo. Dirigem-se ao porta-bagagens, ainda antes do taxista, que só agora aparece com as chaves.
Uma mala e dois sacos passam para as suas mãos, o táxi faz marcha-atrás, de novo a deslizar nas pedras e a esbaforir poeira. Sónia e Nuno, vergados pela bagagem, acometem-se ao monte que lhes desvenda a casa branca. As janelas de postigos de madeira tratada, as portas também de madeira nova e brilhante de linóleo.
A casa, branca, fechada, excessivamente branca, tinha simultaneamente um aspecto apelativo e inabitável. Adivinhando-se a frescura do recheio, ainda escasso e sem uso, as paredes rectas e hostis e os cantos agudos e desconfortáveis.
Pousaram as malas junto à porta, na sapata que rodeava a casa e que ainda tinha manchas de tinta e grãos de cimento incrustados. Pararam, desprovidos de iniciativa, tomados de atenção por cada pormenor que indicava o quanto fresca era a casa. Querendo prolongar a expectativa de descobrir o interior da casa, gozando-a na antecipação dos objectos por estrear, cheirando a tintas e serraduras de serralharia, virgens de qualquer uso.
Nunes, Odílio in Sónia e Nuno: Extractos Duma Paixão, edição Difel, S.A.

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