sábado, março 17

A MORTE DE CARLOS GARDEL



O Gnomo saiu a gritar o jornal desportivo da cabina à esquerda do portão. Mandou-nos parar atrás de uma ambulância em cujo tejadilho picavam lâmpadas azuis, aproximou-se do condutor a bater os nós dos dedos no jornal e perguntou, torcido de cólicas de raiva:

-Imagina quanto pagámos por aquele raquítico do Belenenses?

As árvores do Estádio Universitário (choupos, salgueiros, bétulas, sobretudo choupos) moviam os ramos contra o céu, uma fila de táxis zumbia ao comprido do muro, um cotovelo emergiu de sob as lâmpadas da ambulância num aceno ignorante, e o anão, indignado, a arrecadar o jornal na algibeira:

- Atira um número ao acaso, pá, atira um número: advinha o que demos por um coxo que nem para as reservas serve?

Relva e arbustos aparados que brilhavam na luz, jardineiros ligando mangueiras rotativas, pardais, um sossego de parque, uma seta vermelha no topo de um mastro com a palavra Urgência em maiúsculas metálicas, e de repente dei-me onta do hospital. A minha irmã buzinou e o gnomo gesticulou-lhe que aguardasse, pendurado da porta da ambulância:

- Um momentinho, madame,, um momentinho. Explica-me como se ganham taças com equipas assim, Alfredo?

Antunes, António Lobo in "A Morte de Carlos Gardel", Publicações D. Quixote - 1994.

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