quarta-feira, março 14

O OUTRO PÉ DA SEREIA



- Acabei de enterrar uma estrela!
Foi assim que o pastor Zero Madzero se anunciou junto à cama de sua
esposa, Mwadia Malunga. Lá fora, espreitavam os primeiros sinais de luz. A
mulher, ainda emergindo do sono, sorriu e disse:
- Venha, marido, venha que eu lhe apronto um bom banho.
Olhou o homem em contraluz: parecia um fantasma, magro e sujo, carregando
mais poeira que o vento do Norte. Um cheiro a queimado se espalhou na
ensonada claridade do quarto.
- Trouxe os burros?
Ele acenou com a cabeça, como se estivesse bêbado. Quando Mwadia se aprontava para o encaminhar por entre as penumbras, o pastor deu um passoatrás e murmurou:
- Não me toque! Não me toque que tenho as mãos em fogo. Só então a esposa reparou no brilho que emanava das mãos fechadas de Madzero. Lentamente, ele entreabriu os dedos, um por um, como se desfolhasse uma flor. Mwadia Malunga levou o braço ao rosto, incapaz de enfrentar a reverberação. A sua voz esgueirou-se num gemido:
- Meu marido, me confesse: você já morreu?
- Não, tudo isto vem da estrela, mulher.
- Mas qual estrela?
- A estrela que enterrei no nosso quintal!
Couto, Mia in " O OUTRO PÉ DA SEREIA", Edição -Editorial Caminho.

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