GLOSAS
Toda a obra é vã, e vã a obra toda.
O vento vão, que as folhas vãs enroda,
Figura o nosso esforço e o nosso estado.
O dado e o feito, ambos os dá o Fado.
Sereno, acima de ti mesmo, fita
A possibilidade erma e infinita
De onde o real emerge inutilmente,
E cala, e só para pensares sente.
Nem o bem nem o mal define o mundo.
Alheio ao bem e ao mal, do céu profundo
Suposto, o Fado que chamamos Deus
Rege nem bem nem mal a terra e os cus
Rimos, choramos através da vida.
Uma coisa é uma cara contraída
E a outra uma água com um leve sal.
E o Fado fada alheio ao bem e ao mal.
Doze signos do céu o Sol percorre,
E, renovado o curso, nasce e morre
Nos horizontes do que contemplamos
Tudo em nós é o ponto de onde estamos.
Ficções da nossa mesma consciência,
Jazemos o instinto e a ciência
E o Sol parado nunca percorreu
Os doze signos que não há no céu.
Pessoa, Fernando in Poesias Inéditas, Colecção Poesia Edições Ática
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