segunda-feira, abril 9

O Perfume

No século XVIII viveu em França um homem que se inseriu entre os personagens mais geniais e mais abomináveis desta época que, porém, não escasseou em personagens geniais e abomináveis. É a sua história que será contada nestas páginas. Chamava-se Jean-Baptiste Grenouille e o seu nome, contrariamente aos de outros grandes fascínoras de génio, como, por exemplo, Sade, Saint-Juste,
Fouché, Bonaparte, etc., caiu hoje em dia no esquecimento, tal não se deve por certo a que Grenouille fosse menos arrogante, menos inimigo da Humanidade, menos imoral, em resumo, menos perverso do que os patifes mais famosos, mas ao facto de o seu génio e a sua única ambição se cingirem a um domínio que não deixa traços na História: ao reino fugaz dos odores.
Na época a que nos referimos dominava nas cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fábricas de curtumes cuspiam o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado. As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a dentes podres, os estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao perderem a juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução.
Süskind, Patrick in O Perfume, editorial Presença.


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