sábado, agosto 5

Olhos nos Olhos

UM SEXÓLOGO NA ANDROPAUSA



- O doutor desculpe, mas dessas porcarias não faço?
E a imponente peixeira de Matosinhos saiu porta fora, cara fechada. Se a encontrasse hoje, num dos meus passeios à beira do mar que lhe assegura o ganha-pão, pedir-lhe-ia desculpa pela incompetência, quem se iria lembrar de propor a masturbação para lhe tornar mais fácil atingir o orgasmo com o seu não menos oceânico marido? Já tive sorte por ela não lhe falar de tal despautério!, o sólido pescador poderia decidir chegar a roupa ao pêlo do badameco disfarçado de clínico que assim ameaçava a moral vigente nos fins dos anos 70. Prefiro acreditar que tudo se resolveu e a vida erótica da boa senhora não ficou comprometida pelo erro de principiante que eu cometera, ao aplicar a cega e bovinamente técnicas aprendidas em livros americanos à população portuguesa, esquecendo a regra de ouro em sexologia e medicina – quem se senta à nossa frente é único. E deve ser descoberto – evidentemente, à luz do que sabemos! – como se de um extraterrestre se tratasse, até termos a certeza de que nos encontramos no mesmo comprimento de onda. Mas como chegara eu àquele impasse, com ela a sair de rompante, deixando-me o ego deveras amachucado?
Há vinte e cinco anos procurava desesperadamente entender uma sexualidade – a minha. Dirão vocês tratar-se de inaceitável egoísmo num médico; não deveria – pelo menos! – partilhar essa atenção com as queixas eróticas dos meus doentes? Chiu… aqui vai um segredo de polichinelo (todos os meus colegas de faculdade o conhecem por experiência própria ) – a principal razão de tal desleixo era a ignorância. Pura e dura! Durante o curso, ninguém me falara da sexualidade em geral e das disfunções sexuais em particular. De conversas oblíquas nos anfiteatros no bar e nos corredores retivera sombras ameaçadoras e pouco científicas – os homens podiam ficar impotentes e as mulheres frígidas, voilà tout! Se a impotência assumiu o estatuto de praga divina ou satânica, cujo nome evitava pronunciar por superstição, não fosse raio cair-me em casa, devo dizer que a frigidez não era menos assustadora para um tipo sem educação sexual e menos experiente do que gostava aparentar nas conversas de café, algo me sussurrava que a falta de prazer das mulheres se relacionava com a incompetência dos homens numa área em que adoramos ver-nos como peritos.
Vaz, Júlio Machado, "Olhos nos Olhos" - editora D. Quixote

Nenhum comentário: