quinta-feira, agosto 31

CASA

© Photo: chico esperto.

durante a noite
a casa geme agita-se aquece e arrefece

no interior frio do olho da tua sombra sentada
na cadeira aparentemente vazia


esperas acordado sem sono
que a temperatura da casa funda
com a temperatura incerta do mundo
depois
escreves exactamente isto: o horror dos dias
secou contra os dentes - e rouco
dobrado para dentro do teu próprio pensamento
ferido
atravessas as sílabas diáfanas do poema


levantas-te tarde
atordoado
para extinguires o lume ateado
junto à memória da casa - respiras fundo
para que o gelo derreta e afogue
a vulgar noite do mundo


olhas-te no espelho
atribuis-te um nome um corpo um gesto
dormes
com a árvore de saliva das ilhas - com o vento
que arrasta consigo esta chuva de fósforo e
estes presságios de tranquilos ossos

AL BERTO, in "O MEDO", Assírio & Alvim




Um comentário:

Anônimo disse...

Também consumo Al berto.
O bom da poesia é esta lentidão, que deturpa este conceito actual de "consumo".
Dá para ir lendo.
Dá para muitas noites.