sábado, junho 14

Venenos de Deus Remédios do Diabo

O médico Sidónio Rosa encolhe-se para vencer a porta, com respeitos de quem estivesse penetrando num ventre. Está visitando a família de Bartolomeu Sozinho, o mecânico reformado de Vila Cacimba. À porta, a esposa, Dona Munda, não desperdiça palavra, nem despende sorriso. É o visitante quem arredonda o momento, inquirindo:
- Então, o nosso Bartolomeu está bom?
- Está bom para seguir deitado, de vela e missal…
A voz rouca parece distante, contrariada como se lhe custasse o assunto. O médico acredita não ter entendido. Ele é português, recém – chegado a África. Refaz a questão:
- Perguntava eu, Dona Munda, sobre o seu marido…
- Está muito mal. O sal já está todo espalhado no sangue.
- Não é sal, são diabetes.
- Ele recusa. Diz que se ele é diabético, eu sou diabólica.
- Continuam brigando?
- Felizmente, sim. Já não temos outra coisa para fazer. Sabe o que penso, Doutor? A zanga é a nossa jura de amor.


Couto, Mia in Venenos de Deus Remédios do Diabo edições Caminho

3 comentários:

Pêndulo disse...

mais um livro fabuloso do Mia Couto... :))))

FavaRica disse...

Incluí este excerto no meu blog..
Acho fenomenal.
As letras são cada vez mais a minha paixão!

Giselle Veiga disse...

olá!
Acabei de ler o livro nesse instante! Vim pra internet procurar a capa pra postar um fragmento no meu blog! Aí achei o seu blog! =)
Não conhecia a capa daí de Portugal. Achei bem bacana!

beijos