O Presidente da República fez, ontem, praticamente durante uma hora, um exercício de elogio e de apoio às reformas que o Governo socialista de José Sócrates está a levar a efeito, subscrevendo, sem hesitações, as medidas que mais controvérsia têm levantado.
"Nós estamos a fazer [as reformas] na direcção que é necessário fazer ",chegou a dizer Cavaco Silva, como que assumindo também como suas as políticas do executivo socialista. Deu o seu beneplácito à Lei das Finanças Regionais, que o PSD tem contestado vivamente, e também, ao contrário dos sociais-democratas, vê a economia e as finanças no rumo certo: "Os indicadores gerais vão no sentido positivo."
Na primeira grande entrevista que deu após ter chegado a Belém, ontem na SIC, o Presidente da República deixou explícita a sua consonância com as reformas que mais protestos têm desencadeado, seja na administração pública, na educação ou na segurança social. "Este Governo revela um espírito reformista", declarou o Presidente. E só perante a insistência de Maria João Avillez, que conduziu a entrevista, sobre a razão que assistirá aos portugueses de se insurgirem contra sacrifícios que lhes estão ser pedidos ao longo dos últimos anos, o Presidente da República admitiu "compreender o receio das pessoas", garantiu "estar atento" e deixou um compromisso. "Se for necessário, um dia, perante a gravidade da situação, falarei em público", prometeu, acrescentando, no entanto, que "neste momento" não tinha razões para o fazer.
A tão contraditada "cooperação estratégica" que marcou a campanha presidencial de há um ano foi o pretexto para a jornalista tentar obter de Cavaco Silva a sua avaliação pessoal sobre a relação com José Sócrates ao longo dos oito meses de coabitação institucional. Fiel à sua proverbial reserva, o Chefe de Estado não cedeu em confidências, falou de uma nova cooperação - "a cooperação silenciosa, que é aquela que pode produzir resultados" - , mas também de lealdade e de confiança. "Até este momento, não houve nem forte, nem leve dessintonia ", disse.
Estava aberto o caminho para a crucial questão de saber se a base eleitoral de apoio que levou Cavaco Silva a Belém se sentirá hoje defraudada perante uma convergência tão manifesta com um Governo socialista. "Estou a fazer aquilo que eu disse que faria e não o que os outros disseram que eu faria",declarou, aproveitando para separar águas em relação a anterior mandatos presidenciais.
"Nunca utilizarei o poder de veto como arma de arremesso, nunca me passará pela cabeça passar esta ou aquela rasteira ao Governo", afirmou. A alusão a Mário Soares ficou implícita. De resto, Cavaco evitou sempre reavivar polémicas. Fê-lo em relação às acusações desferidas por Santana Lopes, que responsabilizou Cavaco, Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa pela queda do seu governo. Mas também em relação ao "monstro" da despesa pública, cuja génese muitos atribuem aos seus governos. "Não vale a pena gastar nem mais um minuto com o passado, porque eu estou voltado para o futuro", rematou.
Com a marcação da data do referendo sobre despenalização do aborto na agenda política, Cavaco começou por fazer um pequeno tabu sobre se iria ou não convocar essa consulta pública, advertindo que o diploma ainda nem chegou a Belém. Mas acabou por deixar escapar: "Os portugueses sabem que cumpro os meus compromissos", remetendo, assim, para a promessa, que assumiu na sua campanha eleitoral, de convocar o referendo da interrupção voluntária da gravidez, desde que fosse aprovado na Assembleia e pelo Tribunal Constitucional.
Já sobre a anunciada manifestação das Forças Armadas, o Presidente foi claro a reprová-la: "Não é a melhor forma de resolver os problemas, não posso daro meu apoio."
Fonte: Público
Autor: Filomena Fontes
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