Arranjei o meu covil e o resultado parece ser um sucesso. Do exterior vê-se somente um enorme buraco, mas na realidade este não conduz a parte alguma, bastam alguns passos para se ir de encontro a um sólido bloco de pedra. Não quero vangloriar-me de ter elaborado cientemente este estratagema, é simplesmente o vestígio de uma das minhas numerosas tentativas de construção fracassadas, mas, para concluir, pareceu-me vantajoso não tapar este buraco. É certo que há artimanhas tão subtis que se viram contra si mesmas, sei-o melhor do que ninguém, e é certamente audacioso deixar supor pela existência deste buraco aí haver algo que mereça uma investigação. Mas enganam-se a meu respeito se acreditam que eu construo um covil por pura cobardia. É a alguns passos deste buraco que se encontra, dissimulado sob uma camada de musgo fácil de deslocar, o verdadeiro acesso ao meu covil. Não há neste mundo lugar mais bem protegido; evidentemente, qualquer um pode caminhar sobre o musgo ou danificá-lo e o meu covil fica a descoberto, e se o desejarem – é necessário porém assinalar que isso requer certas capacidades muito pouco comuns –, pode-se lá entrar e tudo destruir para sempre. Sei-o perfeitamente bem, e mesmo agora, no apogeu da minha vida, continuo a não ter um minuto de verdadeira tranquilidade: no local onde se encontra esse musgo escuro, sou mortal, e vejo frequentemente nos meus sonhos um focinho que não cessa de farejar tudo avidamente em redor. É de pensar que eu poderia tapar essa entrada com uma fina camada de terra bem firme na parte de cima e, uma terra mais mole por baixo, de forma que não viesse a ter muita dificuldade em conseguir uma saída sempre que necessitasse.
Kafka, Franz in o covil edições Europa-América
Nenhum comentário:
Postar um comentário