quarta-feira, fevereiro 27

Lavagante encontro desabitado


BEBEMOS MAIS UM COPO: o oitavo ou o décimo, não sei bem. A Lanterna é o melhor bar da praia - e o mais caro, diga-se de passagem - , aquele onde é possível saborear uma fatia de espadarte fumado como esta, na companhia do mais glorioso vinho do mundo, vinho de regiões arenosas, gelado e seco, e com um calor certo e comedido a prolongar-se de taça para taça.
- Este ano - diz o dono do bar - estamos reduzidos a meia centena de turistas. O resto é o que se vê.
Aponta lá para fora, para isso que se vê: os banhistas que desfilam ao sol, no largo, as vivendas de cimento, o asfalto abrasado, os jovens conquistadores de praia estendidos nas esplanadas, assistindo ao correr dos dias, desinteressados.
- É a morte - concorda o jornalista que bebe comigo e com o barman. - São as pessoas a devorarem-se a elas mesmas. Voltadas para o umbigo. Isso tem um nome: auto-fagia.
O barman pisca-me o olho disfarçadamente:
- Este teu amigo fala como um reformado.
Que idade tem você?
- Trinta e nove - responde o jornalista.
- Mas, pode dizê-lo, pertenço à geração reformada de 45. Verdade! Todos nós fomos reformados, sem nunca termos entrado na guerra.

Pires, José Cardoso in Lavagante encontro desabitado, Edições Nelson de Matos


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