sexta-feira, julho 13

GAUDÍ, um romance

Era o fim da tarde e a claridade ia-se estiolando à medida que um homem jovem descia a escadaria talhada em pedra de cripta da Sagrada Família; no túnel que conduzia à cave já era quase noite cerrada. As pedras e os silhares mergulhados na penumbra brilhavam aqui e ali devido à luz ténue que de cima escoava. O tanger duns sinos rompiam intermitentemente o silêncio, como badaladas vindas do outro mundo. No fundo da cave uma grande franja de luz que saía da oficina projectava-se num lanço do enorme passadiço. Os sinos dobravam cada vez mais fortemente; o homem passou o umbral.
Dentro, a sala estava pouco iluminada e cheia de moldes de gesso, pastas de planos e maquetes. Uma estufa apagada e um catre completavam o mobiliário. Vários tubos pendiam de um suporte especial de madeira. Um homem bastante idoso em mangas de camisa e com o cabelo branco batia os tubos com um pequeno martelo e, de vez em quando, tomava notas num papel.
A interrupção do jovem pareceu agastá-lo.
Falaram brevemente, depois o recém-chegado deu meia volta e foi-se embora pelo mesmo caminho que tinha percorrido através da escura cave.
Pouco depois o ancião largou o martelinho e vestiu um casaco escuro e coçado. Tudo ali parecia escuro e gasto. Calçava uns sapatos estranhos com sola de corda bastante estragados. Dirigiu-se para uma das pastas de planos golpeando, ao passar, os tubos que tiniram. Pegou num projecto, enrolou-o e pôs na cabeça um chapéu maltratado de aba virada para cima. Agarrou no projecto enrolado e, com a outra mão, pegou numa bengala de passeio. Quando voltou a passar diante dos tubos pendurados no suporte fê-los oscilar com ajuda da bengala, apagou a luz da oficina e saiu.
Lacruz, Mario in GAUDÍ um romance, edições DOM QUIXOTE

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