Photo: Nina. Foto n.º 369. Parc Güel - Barcelona.
quinta-feira, abril 26
Guernica recuerda el 70º aniversario de los bombardeos con un espíritu de paz
CADERNOS DO SUBTERRÂNEO
Sou um homem doente... Sou um homem mau. Um homem repulsivo, é isso que eu sou. Acho que tenho alguma coisa no fígado. De qualquer modo, não entendo que raio de doença é a minha, não sei ao certo o que me faz sofrer. Não me trato, nunca me tratei, embora respeite a medicina e os doutores. Além do mais, é intolerável como sou supersticioso; enfim, o suficiente para respeitar a medicina. (Sou bastantemente instruído para não ser supersticioso, mas sou supersticiosa.) Sim, é por maldade que eu não me trato. Aposto, meus senhores, que isto é uma coisa que não compreendeis. Mas eu,sim! Evidentemente, não serei capaz de explicar-vos a quem ando eu a tramar seguindo deste modo a minha maldade; sei perfeitamente que não ando a tramar os médicos quando recuso tratar-me; sou a pessoa mais bem colocada para saber que isso só a mim prejudica e a mais ninguém. Mesmo assim, se não me trato é por maldade. Dói-me o fígado. Tanto melhor, pois que me doa ainda mais!
Há muito tempo que vivo assim - vai para vinte anos. Agora tenho quarenta. Dantes era funcionário, agora já não. Era um funcionário mau. Grosseirão, era um gozo para mim sê-lo. Não aceitava luvas, estais a ver, tinha de ter a minha compensação – nem que fosse dessa maneira. (Má chalaça, mas não a risco. Ao escrevê-la, tinha em mente o efeito cómico; agora compreendo bastante bem que só queria fanfarronar, de uma maneira abominável – não risco nada, de propósito!) Às vezes os requerentes chegavam-se à minha mesa para uma informação, eu rangia os dentes à laia de resposta e sentia um gozo insaciável quando conseguia pô-los aflitos. Conseguia-o quase sempre.
Dostoiévski, Fiódor, in Cadernos do Subterrâneo edição Assírio & Alvim
quarta-feira, abril 25
Álvaro Cunhal
Foi dirigente do PCP de 1961 a 1992 e tornou-se um respeitado cidadão que acumulou não só a simpatia dos militantes do seu partido, mas também o respeito dos portugueses em geral. Autor de várias obras literárias, das quais se destacam “Até Amanhã Camaradas” e “Cinco Dias Cinco Noites”, ambas adaptadas ao grande ecrã. Viria a falecer em Lisboa.
Consta
25 de Abril Sempre
Hoje a Catarina tem 25 anos, tem uma licenciatura em Arquitectura, teve de deixar o país em finais de Janeiro (ficou desgostosa por não poder exercer o seu voto no referendo sobre a Despenalização Voluntária da Gravidez, onde se preparava para votar sim) para exercer a sua profissão em terras espanholas. Encontra-se a trabalhar como arquitecta em Barcelona. É um(a) dos milhares de jovens licenciados que não têm oportunidade de trabalhar no seu país. Ao contrário de muitos, resolveu deixar o país por ter a plena consciência de que em Portugal, na sua área de trabalho, não ter hipóteses de exercer a sua profissão. Tal como noutras áreas, os lobbies são poderosos, os grandes trabalhos de arquitectura são sempre para os mesmos arquitectos. Não é necessário mencionar nomes. O mesmo se passa na Advocacia, na Engenharia.
A Inês estuda em Valência, está a acabar a sua licenciatura em Artes – Escultura, também ela tem a noção de que em Portugal não terá hipóteses nenhuma de desenvolver as suas aptidões artísticas. Tal como a irmã, também ela está disposta a ficar por terras espanholas. São duas jovens felizes por saberem que os seus concidadãos vivem em Democracia, o que nem sempre foi possível. São duas jovens cidadãs que transportam consigo alguma tristeza, por assistirem que no seu país, um governo dito ‘socialista’, em dois anos de governação, nada tem feito para melhorar as condições de vida dos portugueses. É o ataque desenfreado aos funcionários públicos, com retirada de direitos constitucionalmente consagrados. É o desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, com o fecho de Maternidades e serviço de Urgências em Hospitais, com posterior abertura de serviços privados: de Saúde e Maternidades. É a falência de fábricas e a deslocalização de multinacionais para países onde a mão-de-obra é mais barata, com o aumento de desemprego a atingir agregados familiares que, de um momento para o outro se vêm sem poderem auferir de rendimentos que lhes permitam viver com dignidade. É a corrupção a aumentar exponencialmente sem que a Justiça consiga provar, por desleixo ou inércia, a culpabilidade de nomes sonantes. Os colarinhos brancos, continuam cada vez mais brancos. São arguidos com processos em tribunais que mantêm governação de Câmaras Municipais (casos de Isaltino Morais e, Valentim Loureiro) é o arrastamento do julgamento Casa Pia, é de certa forma o desânimo de jovens que acreditaram ser possível viver aqui, num país mais justo, onde as desigualdades (que sempre existirão) diminuíssem e, não aumentassem, como acontece neste momento.
Elas continuam a acreditar ser possível viver num Mundo melhor. Eu também gostaria de partilhar esse sonho…
terça-feira, abril 24
Consta
segunda-feira, abril 23
A CIDADE DAS FLORES
Sentado, as pernas cruzadas, uma das mãos no bolso e a outra a brincar com o lápis, Giovanni Fazio observava os passos, para diante e para trás, dum casal de ingleses. Ele – chamar-te-ás John, decidiu – recuara dois ou três metros, e ela – Mary – dirigia-se devagar para os degraus do palácio, sob o olhar indiferente do David. Encostou-se ao pedestal da estátua, tirou o lnço da cabeça e olhou para o marido. Este baixou-se um pouco, apontou demoradamente a máquina e disparou por fim.
Mary virara-se outra vez de costas e Giovanni quis adivinhar-lhe a direcção dos olhos, acompanhá-los depois no voo extasiado que terminava na torre do Palazzo Vecchio. Mas o marido gritara qualquer coisa: interrogativa, ela deu meia volta e viu John, que agitava um braço e abria e fechava a boca. Dizendo o quê? E Mary aproximou-se novamente do David, regressando o marido à posição anterior, a máquina preparada. « Talvez o primeiro retrato fique melhor do que o segundo», murmurou Giovanni, como se fosse ele o interessado.
Depois as situações inverteram-se: o marido posou então para a imortalidade. « Em Florença» - dirá aos amigos, de regresso a Londres, e indicando a fotografia. « Ah!» - exclamarão eles amavelmente.
Porquê? Porquê? O desejo insensato de falar com aqueles desconhecidos. Desconhecidos e talvez ridículos, assim, a tirar fotografias! E enquanto bebia o café escaldante, continuou a persegui-los com o olhar.
« Foi aqui que queimaram Savonarola – estará John a dizer. E pensa: - Estas foram as últimas imagens do Savonarola quando o fumo já subia e o ar quente ondulava as casas.»
Fazio deixou um livro em cima da mesa, a marcar o lugar, aproxima-se deles. Não que tenha a intenção de conversar (suas dificuldades, o seu pouco domínio do inglês paralisavam-no), desejava apenas que o vissem. Porquê? A princípio não percebeu. Queria que eles o vissem, queria sentir-se visto, observado.
Mary e John estavam agora na Loggia dei Lanzi, haviam-se sentado a descansar. Ela não era bonita, a boca parecia rasgada. E ele: demasiado magro, demasiado alto, demasiado branco.
Abelaira, Augusto in A CIDADE DAS FLORES, edição Bertrand
Internet, le copertine raccontano la cronaca
Eça de Queirós
foto retirada daqui
José Maria Eça de Queirós é um dos grandes vultos da literatura portuguesa de todos os tempos. Escritor caracterizado por uma aguçada capacidade analítica, retratava nas suas obras pedaços da realidade social vivida no Portugal da sua época. Autor de êxitos inegáveis, a ele se atribuem títulos notáveis, ainda hoje leccionados nas escolas portuguesas, como sejam: “Os Maias”, “A Tragédia da Rua das Flores” e “O Primo Basílio”, entre tantos outros.
Eça de Queirós não é apenas um vulto de elevada notoriedade nacional, é também considerado um dos mais aprazíveis e nomeados escritores universais, respeitado e aclamado por várias nações.
Grandes Figuras Portuguesas – Diário de Notícias
Consta
domingo, abril 22
BOA TARDE ÀS COISAS AQUI EM BAIXO
- Esta era a casa
ou
(se calhar)
- Há vinte anos nós
ou
(pode ser, não estou certo)
- Morei aqui
ou então não disse nada, limitou-se a subir da Muxima ao meu lado, talvez
um pouco à minha frente
(um pouco à minha frente)
fosse com uma varinha, fosse com um pedaço de cana na mão, quase sem
olhar para mim
(disso lembro-me)
como se passeássemos ainda que qualquer coisa nos seus gestos, na sua cara
(uma inquietação, uma expectativa, uma zanga)
afiançasse que não passeávamos nem meia através dos quarteirões que a
guerra destruíra
(e o mar à nossa esquerda, o mar lá em baixo sempre à nossa esquerda)
ela portanto à minha frente, devagar primeiro, atenta às cicatrizes dos canhões
sem recuo nas esquinas, ao abandono dos quintais, à piscina vazia em que os dentes
de um soldado morto continuavam a crescer, ela devagar primeiro, quase a correr
depois, esquecida de mim, largando a varinha ou o pedaço de cana, a correr não
como correm as brancas, como correm as pretas no meio das quais a criaram
(vide relatório anexo)
apesar da importância e da fortuna do tio, e ela menina, ela branca, a comer
funge de sanzala e a assar grilos num espeto, ela agora mulher no alto da colina
o mar à nossa esquerda, as traineiras, a ilha, tudo simétrico, alinhado, quieto,
ela à minha espera diante do que devia ter sido um muro e para além do muro
o que devia ter sido uma estufa de orquídeas, fragmentos de canteiros, escadas
de mármore
(metade de uma escada de mármore)
invadidos pela erva, afogados na erva, um dos pássaros gordos da marginal,
com um rato no bico, fugiu de nós meneando-se até voar a custo, ela a mostrar-
-me a fachada
LOBO ANTUNES, ANTÓNIO, in BOA TARDE ÀS COISAS AQUI EM BAIXO, EDITORA DOM QUIXOTE
Consta
Fernando Pessoa
Pessoa é célebre também pela utilização de vários heterónimos, cujas personalidades são diferentes entre si, muito embora o autor seja o mesmo: Ricardo Reis, Alberto Caieiro e Álvaro Campos, são apenas alguns dos mais conhecidos. Faleceu na sua Lisboa e os seus restos mortais encontram-se sepultados no Mosteiro dos Jerónimos.
Pimenta no rabinho...
Frase do Dia
"Muita sabedoria unida a uma santidade moderada é preferível a muita santidade com pouca sabedoria."
Fonte: "Ejercicios Espirituales"
sábado, abril 21
Sabedorias...
À beira de um precipício só há uma maneira de andar para a frente:
É dar um passo atrás.
Almada Negreiros
Uma Foto Por Dia
Como Classificar?
Aceitam-se sugestões!
Consta
sexta-feira, abril 20
D'este viver aqui neste papel descripto Cartas da guerra
Meu amor
Escrevo-te durante uma breve paragem na Madeira, já cheio de saudades. Tenho dormido um pouco e não tenho enjoado. A comida é óptima, há orquestra a tocar, e o tabaco americano custa o mesmo que o Sagres. A viagem tem sido boa, felizmente e a orelha melhora…
Devemos chegar a Luanda a 15, sem mais nenhuma paragem, e seguir de comboio (4 dias seguidos) para o Luso, e daí para Gago Coutinho. Quando chegar a Luanda espero escrever de novo. Coragem e paciência, como tens tido até agora. Mil beijos para ti e para o nosso filho. Não te esqueças de estudar e de ter coragem e paciência. Lembra-te de mim.
António
PS. Segundo os rumores que aqui correm, devo ficar na CCS o que seria menos mau. Segundo me disse o 2º comandante, o comandante parece querer que seja eu a ficar lá. Vamos ver…
Beijos e beijos e beijos. (Escrevi também à Margarida e aos meus pais). A próxima carta mando-a já para a morada da avó.
Consta
Uma Foto Por Dia
Paláio Nacional d Belém - Lisboa
foto retirada daqui
Mandado construir por D. João V, para palácio de recreio, foi reedificado depois do Terramoto de 1755 pelo arquitecto João Frederico Ludovice e, mais tarde, por Mateus Vicente de Oliveira. No início do século XX, construiu-se um palacete anexo para receber os hóspedes estrangeiros, uma vez que, desde 1910, é Residência Oficial da Presidência da República. Edifício de feicção barroco e neoclássico, tem uma referência obrigatóri, os jardins, destcando-se algumas das salas do interior. O picadeiro foi trnsformado em Museu dos Coches Reais.
DN Grandes Monumentos Portugueses
quinta-feira, abril 19
Almeida Garrett
O escritor de “Viagens na Minha Terra”, “Folhas Caídas”, entre outras, viu o seu trabalho ser reconhecido como a mais elevada expressão do lirismo confessional romântico.
Todo o seu percurso é vincado por obras notáveis, mas não foi só nas artes que se destacou; Garrett foi Deputado, Cronista-Mor, Par do Reino e também Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Frase do Dia
D. Helder Pessoa Câmara Arcebispo Brasileiro (1909-1999)
quarta-feira, abril 18
Que Farei Quando Tudo Arde?
na véspera
e por isso mesmo, sem acordar, pensava
- Não merece a pena preocupar-me já conheço isto
desinteressado de episódios que sabia falsos
- Estou a dormir
me assustaram ontem, não me assustavam mais
- Para quê ralar-me tudo mentira
consciente da posição do corpo na cama, de uma prega de lençol a doer sob a perna, da almofada
como sempre
a escorregar entre o colchão e a parede, os dedos
independentes, sozinhos
procuravam-na, agarravam-na, traziam-na de volta, dobravam-na sob a bochecha que por seu turno se dobrava nela, que parte de mim a almofada e que parte a bochecha, os braços prendiam a fronha e eu a assistir aos braços
- São meus
espantado de me pertencerem, consciente que um dos plátanos da cerca, de noite um borrão no vidro e agora nítido, entrava sono dentro erguendo-me a cabeça
apenas a cabeça visto que a prega do lençol continuava
a doer
na direcção da janela a seguir ao gabinete onde o médico escrevia uma informação ou um relatório
a secretária, a cadeira e o armário velhos, a porta sempre aberta por onde os doentes espreitavam a pedir cigarros, sujos de barba, de olhos mortos,
nunca fui capaz de comer os olhos dos peixes no restaurante, o meu tio espetava o garfo e eu cego, a gritar
não reparam em mim, nunca ninguém repara, os enfermeiros limitavam-se a empurrar-me para fora
Lobo Antunes, António in Que Farei Quando Tudo Arde? Publicações DOM QUIXOTE
Consta
Filosofias...
E não gritando deseperadamente, como os quarenta passageiros do autocarro que ele conduziu!
terça-feira, abril 17
Luís Vaz de Camões
Foram várias as suas obras, mas de todas, aquela que alcançou maior realce e notoriedade pela capacidade expressiva de sentimentos, realidades e pensamentos, foi sem qualquer dúvida “ Os Lusíadas”, que utiliza pedaços da história portuguesa para, num enlace poético descrever situações e gentes, num abarcar de um passado glorioso, de um presente debruçado n esperança de um futuro imperial.
Grandes Figuras Portuguesas – Diário de Notícias
Sabedorias...
Não é bonito, mas é profundo.
Consta
segunda-feira, abril 16
Vasco da Gama
Invasão de esculturas no Palácio de São Bento
Consta
Clara Pinto Correia Jornal de Notícias
domingo, abril 15
AS Intermitências da Morte
D. Afonso Henriques
Nascido em 1109, foi o primeiro Rei de Portugal e pela sua bravura e feitos gloriosos foi consagrado com o título de “O Conquistador”. Nas várias lutas que travou destaca-se a Batalha de S. Mamede, junto ao Castelo de Guimarães, em que derrotou o exército de sua mãe D. Teresa, que pretendia permanecer à frente dos destinos do Condado Portucalense. Em 1143, assina o Tratado de Zamora e foi oficialmente reconhecido Rei de Portugal em 1179, através do Manifestis Probatur, assinado pelo Papa Alexandre III. Foi durante o seu reinado que foram conquistadas Santarém, Óbidos, Lisboa, Palmela, Alenquer, Sintra, Alcácer do Sal, Évora e Beja. Foi sepultado na Capela-mor do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Grandes Figuras Portuguesas – Diário de Notícias
Basílica da Estrela – Lisboa
A construção da Basílica da Estrela deve-se a um voto de D. Maria I, que prometeu edificar um convento para as Carmelitas Descalças, caso tivesse um filho varão. Em 1777, a rainha escolheu o local e designou o arquitecto Mateus Vicente de Oliveira para executar o projecto que foi objecto de algumas alterações pelo seu sucessor, Reinaldo Manuel.
Decorrente dos modelos de Mafra, a igreja é uma das melhores realizações do Barroco tardio, integrando também elementos neoclássicos. A estrutura monumental da fachada é da autoria de Machado de Castro e no interior conservam-se obras de pintura de Pompeo Berttoni.
DN Grandes Monumentos Portugueses
Frase do Dia
Tema: Defeito
Consta
sábado, abril 14
Consta
sexta-feira, abril 13
Frase do Dia
"A coisa mais importante não é o número de ideias reunidas no nosso espírito, mas sim o que as une."
Fonte: "Artigos de Críticas"
Punir a indisciplina dos alunos vai ser mais fácil e mais rápido
Consta
Pedro Camacho Visão
quinta-feira, abril 12
Frase do Dia
"O adulador é um ser que não tem estima nem pelos outros, nem por si mesmo. Aspira apenas a cegar a inteligência do homem, para depois fazer dele o que quiser. É um ladrão nocturno que primeiro apaga a luz e em seguida começa a roubar."
Fonte: "O Menor de Idade"
"Devia haver mais mulheres na direcção do Partido Comunista"
quarta-feira, abril 11
Engenheiro três anos antes de concluir o curso
Semafori irriverenti a Praga
Consta
terça-feira, abril 10
Valencia rescata los últimos sellos de la República
...
Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa, a ficção encarnada do meu convívio comigo.
Soares, Bernardo in Livro do Desassossego edição Assírio & Alvim
Violência contra professores na lista dos crimes prioritários
Consta
segunda-feira, abril 9
O Perfume
Fouché, Bonaparte, etc., caiu hoje em dia no esquecimento, tal não se deve por certo a que Grenouille fosse menos arrogante, menos inimigo da Humanidade, menos imoral, em resumo, menos perverso do que os patifes mais famosos, mas ao facto de o seu génio e a sua única ambição se cingirem a um domínio que não deixa traços na História: ao reino fugaz dos odores.
Na época a que nos referimos dominava nas cidades um fedor dificilmente imaginável para o homem dos tempos modernos. As ruas tresandavam a lixo, os saguões tresandavam a urina, as escadas das casas tresandavam a madeira bolorenta e a caganitas de rato e as cozinhas a couve podre e a gordura de carneiro; as divisões mal arejadas tresandavam a mofo, os quartos de dormir tresandavam a reposteiros gordurosos, a colchas bafientas e ao cheiro acre dos bacios. As chaminés cuspiam fedor a enxofre, as fábricas de curtumes cuspiam o fedor dos seus banhos corrosivos e os matadouros o fedor a sangue coalhado. As pessoas tresandavam a suor e a roupa por lavar; as bocas tresandavam a dentes podres, os estômagos tresandavam a cebola e os corpos, ao perderem a juventude, tresandavam a queijo rançoso, leite azedo e tumores em evolução.