
quinta-feira, maio 28
segunda-feira, fevereiro 16
segunda-feira, dezembro 29
domingo, novembro 30
Antonio Lobo Antunes, Carlos Fuentes y la 'narcoliteratura', en la Feria de Guadalajara

terça-feira, setembro 9
sábado, julho 26
quarta-feira, abril 23
Consta
domingo, março 2
Lobo Antunes poderá vir a ceder acervo literário e mudar de cidade
António Lobo Antunes poderá ceder, no âmbito de um contrato de comodato, pelo prazo de 20 anos, o seu espólio literário à Câmara de Torres Novas. Segundo o DN apurou junto do presidente daquela edilidade, António Manuel Oliveira Rodrigues, o documento será, em princípio, assinado até finais de Maio.
domingo, setembro 30
Entrevista a António Lobo Antunes (escritor): "A morte é uma puta"
O escritor surpreendeu os portugueses ao revelar numa crónica que tinha sido operado a um cancro no intestino. Não se coíbe de falar sobre o assunto, até porque a morte é palavra habitual nas páginas dos seus livros, mas comove-se ao relembrar aqueles dias e o pós-operatório. Uma coisa é certa, saiu deste susto um homem diferente e com vontade de ser mais sincero e de outro amar.sexta-feira, setembro 28
segunda-feira, setembro 17
domingo, abril 22
BOA TARDE ÀS COISAS AQUI EM BAIXO
Não sei se ela disse- Esta era a casa
ou
(se calhar)
- Há vinte anos nós
ou
(pode ser, não estou certo)
- Morei aqui
ou então não disse nada, limitou-se a subir da Muxima ao meu lado, talvez
um pouco à minha frente
(um pouco à minha frente)
fosse com uma varinha, fosse com um pedaço de cana na mão, quase sem
olhar para mim
(disso lembro-me)
como se passeássemos ainda que qualquer coisa nos seus gestos, na sua cara
(uma inquietação, uma expectativa, uma zanga)
afiançasse que não passeávamos nem meia através dos quarteirões que a
guerra destruíra
(e o mar à nossa esquerda, o mar lá em baixo sempre à nossa esquerda)
ela portanto à minha frente, devagar primeiro, atenta às cicatrizes dos canhões
sem recuo nas esquinas, ao abandono dos quintais, à piscina vazia em que os dentes
de um soldado morto continuavam a crescer, ela devagar primeiro, quase a correr
depois, esquecida de mim, largando a varinha ou o pedaço de cana, a correr não
como correm as brancas, como correm as pretas no meio das quais a criaram
(vide relatório anexo)
apesar da importância e da fortuna do tio, e ela menina, ela branca, a comer
funge de sanzala e a assar grilos num espeto, ela agora mulher no alto da colina
o mar à nossa esquerda, as traineiras, a ilha, tudo simétrico, alinhado, quieto,
ela à minha espera diante do que devia ter sido um muro e para além do muro
o que devia ter sido uma estufa de orquídeas, fragmentos de canteiros, escadas
de mármore
(metade de uma escada de mármore)
invadidos pela erva, afogados na erva, um dos pássaros gordos da marginal,
com um rato no bico, fugiu de nós meneando-se até voar a custo, ela a mostrar-
-me a fachada
LOBO ANTUNES, ANTÓNIO, in BOA TARDE ÀS COISAS AQUI EM BAIXO, EDITORA DOM QUIXOTE
sexta-feira, abril 20
D'este viver aqui neste papel descripto Cartas da guerra

Meu amor
Escrevo-te durante uma breve paragem na Madeira, já cheio de saudades. Tenho dormido um pouco e não tenho enjoado. A comida é óptima, há orquestra a tocar, e o tabaco americano custa o mesmo que o Sagres. A viagem tem sido boa, felizmente e a orelha melhora…
Devemos chegar a Luanda a 15, sem mais nenhuma paragem, e seguir de comboio (4 dias seguidos) para o Luso, e daí para Gago Coutinho. Quando chegar a Luanda espero escrever de novo. Coragem e paciência, como tens tido até agora. Mil beijos para ti e para o nosso filho. Não te esqueças de estudar e de ter coragem e paciência. Lembra-te de mim.
António
PS. Segundo os rumores que aqui correm, devo ficar na CCS o que seria menos mau. Segundo me disse o 2º comandante, o comandante parece querer que seja eu a ficar lá. Vamos ver…
Beijos e beijos e beijos. (Escrevi também à Margarida e aos meus pais). A próxima carta mando-a já para a morada da avó.
quarta-feira, abril 18
Que Farei Quando Tudo Arde?
Tinha a certeza que sonhara aquele sonho na antevésperana véspera
e por isso mesmo, sem acordar, pensava
- Não merece a pena preocupar-me já conheço isto
desinteressado de episódios que sabia falsos
- Estou a dormir
me assustaram ontem, não me assustavam mais
- Para quê ralar-me tudo mentira
consciente da posição do corpo na cama, de uma prega de lençol a doer sob a perna, da almofada
como sempre
a escorregar entre o colchão e a parede, os dedos
independentes, sozinhos
procuravam-na, agarravam-na, traziam-na de volta, dobravam-na sob a bochecha que por seu turno se dobrava nela, que parte de mim a almofada e que parte a bochecha, os braços prendiam a fronha e eu a assistir aos braços
- São meus
espantado de me pertencerem, consciente que um dos plátanos da cerca, de noite um borrão no vidro e agora nítido, entrava sono dentro erguendo-me a cabeça
apenas a cabeça visto que a prega do lençol continuava
a doer
na direcção da janela a seguir ao gabinete onde o médico escrevia uma informação ou um relatório
a secretária, a cadeira e o armário velhos, a porta sempre aberta por onde os doentes espreitavam a pedir cigarros, sujos de barba, de olhos mortos,
nunca fui capaz de comer os olhos dos peixes no restaurante, o meu tio espetava o garfo e eu cego, a gritar
não reparam em mim, nunca ninguém repara, os enfermeiros limitavam-se a empurrar-me para fora
Lobo Antunes, António in Que Farei Quando Tudo Arde? Publicações DOM QUIXOTE
sábado, março 17
A MORTE DE CARLOS GARDEL

O Gnomo saiu a gritar o jornal desportivo da cabina à esquerda do portão. Mandou-nos parar atrás de uma ambulância em cujo tejadilho picavam lâmpadas azuis, aproximou-se do condutor a bater os nós dos dedos no jornal e perguntou, torcido de cólicas de raiva:
-Imagina quanto pagámos por aquele raquítico do Belenenses?
As árvores do Estádio Universitário (choupos, salgueiros, bétulas, sobretudo choupos) moviam os ramos contra o céu, uma fila de táxis zumbia ao comprido do muro, um cotovelo emergiu de sob as lâmpadas da ambulância num aceno ignorante, e o anão, indignado, a arrecadar o jornal na algibeira:
- Atira um número ao acaso, pá, atira um número: advinha o que demos por um coxo que nem para as reservas serve?
Relva e arbustos aparados que brilhavam na luz, jardineiros ligando mangueiras rotativas, pardais, um sossego de parque, uma seta vermelha no topo de um mastro com a palavra Urgência em maiúsculas metálicas, e de repente dei-me onta do hospital. A minha irmã buzinou e o gnomo gesticulou-lhe que aguardasse, pendurado da porta da ambulância:
- Um momentinho, madame,, um momentinho. Explica-me como se ganham taças com equipas assim, Alfredo?
Antunes, António Lobo in "A Morte de Carlos Gardel", Publicações D. Quixote - 1994.
quinta-feira, março 15
"É um prazer lembrarem-se do meu nome"

sábado, junho 24
OS CUS DE JUDAS

Gago Coutinho, a trezentos quilómetros ao sul do Luso e junto à fronteira com a Zâmbia, era um mamilo de terra vermelha poeirenta entre duas chanas podres, um quartel, quimbos chefiados por sobas que o Governo Português obrigava a fantasias carnavalescas de estrelas e de fitas ridículas, o posto da PIDE, a administração, o café do Mete Lenha e a aldeia dos leprosos; uma vez por semana eu sacudia o badalo do sino da capela pendurado no meio de um círculo de cubatas aparentemente desertas, no silêncio carregado de ruídos que África tem quando se cala, e dezenas de larvas informes principiavam a surgir, manquejando, arrastando-se, trotando, dos arbustos, das árvores, das palhotas, dos contornos indecisos das sombras, larvas de Bosch de todas as idades em cujos ombros se agitavam, como penas, franjas de farrapos, avançando para mim à maneira dos sapos monstruosos dos pesadelos das crianças, a estenderem os cotos ulcerados para os frascos do remédio.

